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É preciso ter graça

Texto originalmente publicado na revista 100% Skate

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No skate, quem decide decifrá-lo, anda como se tivesse uma solução para as dores do mundo. Não diria que se trata de ar de grandeza. Talvez, pensando bem, seja o ideal de estar eternamente em manutenção –– de estilo, de visão, de rumo e de horizonte. A busca não tem fim. Até quando nos apaixonamos pela execução da manobra de outro skatista, ao tentar assimilá-la, acabamos fazendo do nosso jeito. Vai mais longe quem põe o próprio jeito à frente de tudo que acerta. Mesmo com tanto dinheiro em jogo, hoje em dia, a ligação entre um skatista e sua máquina de manobrar ainda é intensa e íntima. Estamos falando de um exercício mental frente à guerra, um ato de autoconhecimento. Andar de skate é só andar, mas não é. Tem o processo que precede o ato. Invariavelmente, o que acontece quando a sessão termina também. E o fôlego para a próxima. É o filme dos melhores anos de nossas vidas, os piores tombos, os sonhos, as viagens, os negócios e o que acontece quando ninguém está olhando. A repetição de cada movimento até sair andando, certinho, “com as 4”, satisfeito. Tenho uma relação íntegra com a energia que o skate libera e representa. Aguça os sentidos, inspira, revela quem sou, mesmo quando a pergunta é outra.

Um dia desses, assistindo a um seriado apresentado pelo comediante Jerry Seinfeld, me espantei ao vê-lo explicar um dos aspectos mais intrigantes da vida, o equilíbrio, tendo o skate como ponto de partida. Ele dizia que não precisava se preocupar com os jovens skatistas que encontrava pelas ruas, já que chegariam à vida adulta acostumados a cair e levantar. Ao longo do segmento, ele acaba traçando um paralelo com a vida de comediante stand-up, matutando, polindo material até apresentá-lo ao público. Há um certo, “era isso que eu deveria ter escrito lá na segunda frase do texto”, ar de graça no que fazemos. É preciso ter graça. É preciso ser emocionado e emocionante.

Mais Mark Gonzales, menos Nyjah? Nada disso. Mais dos dois, por favor. Assim como mais filmes épicos com orçamentos hollywoodianos, mais produções nacionais também. Mais brasileiros na liga de rua, mais marcas brasileiras com qualidade internacional. Mais blogs, sites, revistas… Eu quero tudo que era torto e capenga, nos meus tempos na categoria profissional, melhorado e funcionando. O caminho mais curto entre dois pontos é não ficar parado entre eles.

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Publicado em
4.7.2024
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