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Texto originalmente publicado na revista 100% Skate

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Tenho, aqui pra mim, que o skate faz o indivíduo enxergar o próximo de uma maneira singular — salvas raras exceções. O que fala mais alto nas relações humanas do skate é a aptidão (no/para andar e se jogar) e afinidade por terrenos parecidos, ou, dependendo do caso, de estilos congruentes. É claro que existem os outros postes altos que mantém a cultura acesa...música, cinema, literatura, poesia... Eu gosto de usar termos aplicados a lógica e matemática pra falar sobre o que a gente faz até quando não está com o skate no pé, sendo skatista.

Ainda hoje, voltando do mercado, achei um ‘manual’ baixinho e curto, com pedra de mármore, na frente de um prédio. No meio do transe de estar pensando manobras, falando ao telefone com um amigo sobre outro assunto, enquanto era observado por duas senhoras, moradoras do local, me dei conta: O outro influencia a sua existência invariavelmente. Só não reclamamos e/ou nos acostumamos quando o outro vibra numa frequência parecida. Não apenas faz parte do mesmo grupo de seres humanos, mas entende as manias dos skatistas — que já não usam calças tão largas e/ou roupas tão coloridas (Isso pode mudar em dois meses). Tentar a manobra até estar satisfeito, por exemplo. Acima de todas as outras faces do skate, impera essa energia, mutante por natureza, a satisfação.

Eu nunca determinei se o primo sujo da satisfação é o prazer, ou o contrário. Fui condicionado, como muita gente também foi, a reservar o uso da palavra prazer para as paixões do corpo, não da mente. Entretanto, como alma não tem parede, acabei entendendo que o sentido das coisas depende mais do momento do que de quem emite ou recebe a mensagem. Skate, dependendo do dia é prazer e/ou satisfação. O peso da palavra, a intensidade... Isso acaba sendo determinado pelo momento em que a conversa acontece – se é interna, se envolve duas, três ou mais passagens pelo mesmo pico até que a gente se satisfaça.

É um jogo mental. Eu só escrevi tudo isso, pois só agora caiu a ficha de que as senhoras do prédio haviam pedido ajuda para um policial que passava pra tentar ‘entender’ o que eu fazia ali, com as compras no braço, (quase) esbravejando ao telefone com alguém (o amigo que falava comigo sobre outro assunto), andando de um lado pro outro, medindo altura, largura e comprimento da peça de mármore da frente do prédio em que elas moram. Eu entreguei meu RG tão prontamente que, creio eu, o policial não pensou que algo fora da ordem estava acontecendo. É sempre melhor assim. Num momento de inteligência emocional baixa, eu teria sido menos cordial durante a abordagem, ou com as senhoras do prédio. É o tal direito de ir e vir, que no skate é um tanto assim mais elástico. Desafia as normas, puxa a orelha do tal status quo. O resultado varia. E a gente segue, como diria MC Dollar, incrível personagem de Luis Miranda, quebrando os Rolex do preconceito.

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Publicado em
4.7.2024
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